Café, Clima e Capital: A Nova Geopolítica do Grão
Como o café saiu de commodity para virar um ecossistema conectando agricultura, inovação e cultura de consumo.
O café está mais caro, mais escasso e mais estratégico. Entre secas, colheitas comprometidas e oscilações geopolíticas, o grão mais querido do planeta está mudando de status: de commodity abundante para artigo de valor disputado.
📈O Brasil exportou 50,4 milhões de sacas de café em 2024, um recorde histórico e crescimento de 28,5% em relação a 2023. O setor faturou impressionantes US$ 12,5 bilhões, com destaque para:
🇺🇸 Estados Unidos – maior comprador, representando 16% do total exportado.
🇩🇪 Alemanha – 7,5 milhões de sacas (+51%).
🇧🇪 Bélgica – 4,3 milhões de sacas (+96,4%).
🇮🇹 Itália – 3,9 milhões de sacas (+25%).
🇯🇵 Japão – 2,2 milhões de sacas (queda de -6,3%).
🇨🇳 China - Mesmo com uma queda de 35% nas importações em 2024. A estimativa é que o país consuma 6,3 milhões de sacas em 2025, com uma demanda crescente por cafés diferenciados, sustentáveis e com histórias de origem.
🌎 Pressionado por eventos climáticos extremos, reconfigurações geopolíticas e novas exigências dos consumidores globais. A cadeia do café está sendo redesenhada por três grandes forças:
a corrida por soluções de irrigação e produção sustentáveis diante da escassez hídrica,
o apetite crescente por rastreabilidade e impacto socioambiental,
e a reinvenção da experiência de consumo como símbolo de estilo de vida, sofisticação e propósito.
Este tema já vem me perseguindo há tempos — ou seria eu quem o persegue?:) Depois de uma combinação de leituras, pesquisas e pensamentos, termino esta edição justamente no dia em que Donald Trump anuncia a nova política tarifária americana. Isso muda tudo!
Para uns o Dia da Libertação para outros o Dia da Ruína. E no meio do caminho algumas reflexões…
Nesta edição, combino variáveis e faço uma reflexão sobre os seguintes tópicos
O impacto do clima e da geopolítica no mercado global do café;
A explosão do consumo de café na China e como ela está reinventando a cultura mundial em torno da experiência da bebida;
Inovações na forma de produzir e consumir o café, incluindo agrofloresta, tecnologia e novos modelos de negócios.
Oportunidade para o Brasil: As Tarifas Americanas e o Novo Jogo Global do Café
O imediato anúncio do governo americano, impondo diferentes tarifas em mais de 185 países, marca um dia importante na história econômica da humanidade. Vai literalmente embaralhar a dinâmica de comèrcio mundial e o sistema alimentar mundial e em muitos países especificamente pode ficar ainda mais pressionado.
Imediatamente para o Brasil, fazendo algumas breves análises de fluxões do comércio de café vejo esse movimento pode ser uma oportunidade dos produtores brasileiros atuarem ainda mais com protagonismo e inteligência estratégica no mercado internacional.
A decisão americana vem acompanhada de tarifas ainda mais pesadas sobre outros grandes produtores: Vietnã (46%) e Indonésia (32%), segundo e terceiro maiores exportadores de café do mundo.
Em 2024, os Estados Unidos responderam por 16,1% das exportações brasileiras de café, com um crescimento de 34% em relação ao ano anterior. Manter — e ampliar — essa presença agora se torna ainda mais estratégico.
Alguns números ajudam a dimensionar esse novo cenário:
O café brasileiro representou 5% de todas as exportações do agro para os EUA em 2024, somando mais de US$ 2 bilhões em receitas.
A indústria de foodservice americana movimentou quase US$ 110 bilhões com café em 2022.
Para cada dólar gasto com importação de café, a economia dos EUA gera US$ 43 em valor agregado, segundo a National Coffee Association.
Os EUA consomem cerca de 25 milhões de sacas por ano — e produzem quase nada internamente.
Numa primeira análise fria, dentro do contexto brasileiro e da cultura do café, as tarifas podem acabar sendo mais trampolim do que barreira. O Brasil, com sua expertise histórica, biodiversidade incomparável e uma cadeia produtiva cada vez mais qualificada, tem a chance de transformar esse desafio em vantagem.
Fluxo global de mercado entre exportações/importações de café.
China: 120 milhões de novos consumidores nos últimos 10 anos.
Se há um lugar onde o futuro do café já chegou — e está sendo reinventado em ritmo acelerado — esse lugar é a China. O país que historicamente foi a terra do chá agora vê o café se transformar em uma febre urbana, jovem e altamente criativa.
Em 2025, o consumo chinês de café deve atingir 6,3 milhões de sacas de 60 kg, um salto de 60% em apenas cinco anos. Mas o mais impressionante não é o volume — é a forma como o café é consumido. A maior parte das bebidas são criações personalizadas e visuais, que combinam café com leite de coco, chá verde, sucos cítricos e até queijos cremosos. É café como experiência sensorial e social.
Tudo isso coincide também com o ano em que a China se tornou líder mundial em número de cafeterias de marca, alcançando 49,6 mil lojas, segundo a consultoria britânica World Coffee Portal, ultrapassando o Starbucks..
Essa transformação foi impulsionada por um modelo de negócios agressivamente escalável. Redes como a Luckin Coffee já superam 15 mil lojas, muitas funcionando como pontos de retirada integrados aos super apps de delivery.
Em algumas cidades, abrir uma nova unidade leva menos de 72 horas. Pequenas redes têm 500 lojas, as médias operam 5.000 e as grandes, 15.000 ou mais. É um outro jogo.
Cafeterias e experiências que são destaque por lá:
☕Luckin Coffee: Mais de 15 mil lojas, pioneira no modelo tech-delivery.
☕Manner Coffee: Rede urbana premium que investe em design, branding e cafés especiais.
☕Seesaw Coffee: Foco em single origin, experiência e cardápios criativos com ingredientes locais e sazonais.
☕Allegro Coffee (Alibaba Group): Modelo híbrido com e-commerce e cafés físicos.
Clima em Ebulição, Produção em Risco
Os preços do café não estão subindo por acaso — e nem só por causa do aumento do consumo. O que está mexendo com o preço do mundo todo é o clima. As mudanças já não são mais sutis: elas estão batendo direto na produção, inclusive (e especialmente) no Brasil.
De acordo com um artigo da Groundswell Coffee, o café precisa de uma faixa climática bem específica pra se desenvolver bem: temperaturas entre 15 °C e 24 °C, boa altitude (de 600 a 1.800 metros), chuvas regulares e solo saudável. Mas as condições ideais estão virando exceção e isso afeta desde o pé de café até o preço no balcão.
Aqui no Brasil, que lidera o ranking mundial de produção, o cenário não tem sido fácil. Regiões como Alta Mogiana e Cerrado Mineiro enfrentaram floradas com temperaturas acima de 30 °C, enquanto Minas Gerais fechou 2024 com déficit hídrico de 300 mm — três vezes maior que no ano anterior.
Pelos cálculos do mercado, 2025 deve ser o quarto ano, em um intervalo de seis, em que a demanda global de café vai superar a produção. É um sinal claro de pressão sobre toda a cadeia — da lavoura até o consumidor final — e coloca ainda mais importância sobre o investimento em práticas resilientes, regenerativas e adaptadas à nova realidade climática.
Como Estamos Produzindo o Café do Futuro?
Se o clima pressiona os limites da produção tradicional, é na inovação agroflorestal e regenerativa que nasce um novo ciclo para o café — mais resiliente, e alinhado à bioeconomia. Alguns exemplos brasileiros de iniciativas:
Café Apuí Agroflorestal (Amazonas)
🌿 Inovação: Primeiro café orgânico e agroflorestal certificado da Amazônia brasileira, cultivado em sistemas regenerativos que recuperam áreas degradadas por desmatamento e pecuária.
🏆 Reconhecimento: Premiado pelo Pacto Global da ONU e finalista no Prêmio Latino-Americano de Agroecologia. Projeto apoiado pelo IDESAM e destaque em diversas publicações internacionais.
📌 Destaque: Modelo que une conservação da floresta com geração de renda para agricultores familiares, utilizando espécies nativas no sombreamento e promovendo cadeias sustentáveis de valor com rastreabilidade e impacto positivo comprovado.
Daterra Coffee (Minas Gerais)
🌿 Inovação: Primeira fazenda de café do mundo a receber a certificação Rainforest Alliance Climate Module e selo B Corp
🏆 Reconhecimento: Presença constante em competições internacionais e fornecedora de campeões de barismo
📌 Destaque: Agricultura regenerativa, uso de tecnologia avançada (drones, sensores, IA)
Aequitas Coffee (Chapada Diamantina, BA)
💡 Inovação: Café orgânico produzido em agrofloresta, com foco em práticas regenerativas e envolvimento comunitário
🏆 Reconhecimento: Premiada no Cup of Excellence Brasil e indicada como um dos cafés mais sustentáveis do país
📌 Destaque: Produzido por assentamentos da reforma agrária com apoio técnico de ONGs e cooperativas locais
Inovações no Consumo no Café
📦 Café em cápsulas, funcionais e prontos para beber
Soluções convenientes e com apelo nutricional ganham espaço. O café se funde com superfoods, proteínas, adaptógenos e embalagens inteligentes. É saúde, praticidade e sabor em um só gole.
Exemplos: Nespresso e Super Coffee
🧊 Cold Brew, Nitro e Cafés Misturados
O café gelado assumiu de vez o protagonismo nas gôndolas e nos feeds. Bebidas criativas, sazonais e fotogênicas conectam o café a momentos de refresco, lifestyle e compartilhamento.
Exemplos: Starbucks e We Coffee
🪑 Cafeterias como hubs culturais e branding experiencial
Espaços que vão além do consumo: cafés que funcionam como extensão da marca, promovem encontros, traduzem identidade e conectam público e propósito.
Exemplos: Blue Bottle, % Arabica, Coffee Lab
🛍 Marcas de varejo com cafés integrados às lojas
O café entra como estratégia de hospitalidade, tempo de permanência e estilo de vida. Uma forma sutil e poderosa de ampliar a experiência de marca.
Exemplos: Track & Field, Le Cafe Louis Vouitton
📲 Modelos delivery-first e fast fashion do café
Alta rotatividade de sabores, operação ágil e foco no digital. Um formato que combina volume, personalização e apelo de novidade contínua.
Exemplos: The Coffee, Cotti Coffee, Nowwa, Luckin Coffee.
✨ Café como luxo e expressão pessoal
Micro lotes, terroirs exclusivos, experiências guiadas. O café como ritual, presente, curadoria e conexão com valores de autenticidade, origem e cuidado.
Exemplos: Noma, Koffee Mameya, Coffee Collective.
Café como vetor de impacto e investimento
No ritmo em que o café está ganhando protagonismo global, também cresce o interesse de investidores que enxergam no grão não apenas aroma e sabor — mas valor, cultura e impacto socioambiental.
Na interseção entre agricultura regenerativa, rastreabilidade e novas formas de consumo, surgem oportunidades reais para alocar capital em cadeias mais resilientes, inclusivas e sofisticadas. Como apontou recentemente o investidor Roberto Vitón da Valoral Advisors, as oportunidades estão em toda a cadeia:
Da lavoura à cápsula,
Do agricultor familiar às plataformas digitais,
Dos resíduos valorizados às marcas com propósito.
Fonte: Valoral Advisors
O Que Esperar nos Próximos Meses
Nos últimos meses, acompanhamos uma tempestade perfeita no universo do café: recordes de exportação, choques climáticos, tarifas comerciais e uma corrida por inovação tanto no campo quanto na mesa.
Essa edição foi escrita entre relatórios, mapas de produção, feiras de foodtech e por coincidência no mesmo dia em que Donald Trump anunciou o tarifaço mundial.
Nos próximos meses, vale acompanhar de perto:
A resposta do Brasil às tarifas americanas — oportunidade de reposicionamento e diversificação.
A consolidação de microtorrefações e cafés especiais como vetor de valor agregado.
O avanço da irrigação e da gestão climática com apoio tecnológico.
A evolução do consumo na China — que pode se tornar o maior importador da próxima década.
Se você chegou até aqui, fico curioso:
O que mais você gostaria de ver por aqui? O que ficou de fora?
Principais fontes dessa edição:
Why Coffee Prices Are Soaring (Again)
Why is your morning joe so expensive? Brazil’s coffee farms have the answer.
Tarifaço de Trump deve deixar mais caro o café do Brasil nos Estados Unidos
Maior rede de cafeteiras chinesa comprará US$ 500 milhões de café brasileiro
Europe’s Most Famous Restaurant Turns to Coffee Roasting
Brazil's coffee farmers turn to costly irrigation to quench global demand for the brew
Brazil's coffee stockpiles dwindle as prices hit record highs
✌Olá, sou Rodrigo Grecco, pesquiso sobre inovações no sistema alimentar e ajudo empresas e inovadores a se conectarem no ecossistema alimentar.
🥗 Nesta Newsletter escrevo sobre inovações na intersecção entre futuro da alimentação, emergência climática e fluxo de investimentos.
🍴 Atualmente lidero as iniciativas de crescimento e novos negócios digitais da GALUNION, consultoria com 15 anos de mercado especializada em estratégia e inovação para o mercado Foodservice.
Rodrigo, obrigada por compartilhar tantas informações valiosas sobre o mundo do café!
Uma abordagem ampla e esclarecedora sobre o mercado do café na atualidade! Parabéns pela Newsletter!